terça-feira, 19 de outubro de 2010

Eleição

Em época de eleiçoes resolvi postar uma crônica da Martha Medeiros , Vale a pena ler.

PALAVRAS MORTAS

Mario Vargas Llosa é peruano e um dos maiores escritores da América Latina. É, também, um político abortado. Tentou candidatar-se à presidência da República de seu país, em 1990, e perdeu no segundo turno para um alucinado Fujimori. O que ficou dessa experiência? As diversas funções que a palavra pode ter.
Reproduzo a seguir um trecho de uma entrevista dada por Vargas Llosa ao jornalista argentino Jorge Halperín e que foi publicada no livro Pensar el mundo, junto a diversas outras entrevistas com personalidades marcantes deste final de século. Halperín perguntou a Llosa o que faz um escritor com as palavras quando as deve usar como político. A resposta: “Para um escritor, a linguagem é seu bem mais precioso. É uma relação que envolve enorme cuidado, respeito, quase uma reverência religiosa. Ela é trabalhada de maneira muito pessoal porque é através dela que criamos nossa identidade como escritor. Já para o político, a linguagem é apenas um instrumento. Como ele quer chegar ao maior número de pessoas, ele a simplifica e a repete. Por isso, em política, é irresistível o uso de estereótipos, clichês, estribilhos, tudo o que em literatura significa palavra morta.”
Minha gente! Brasileiros e brasileiras! Vote em quem vai dar emprego! Vote em quem vai dar educação! Vote em quem vai transformar esse país! Vote por um novo Brasil!
Você ouve essa cantilena desde que nasceu. Palavras ao vento, refrões massacrantes, frases sem conteúdo, sem idéias, sem soluções. Será que a população estranharia um discurso diferente, outras palavras? Confundiria com literatura? Tenho uma curiosidade danada de saber como se sairia um candidato caso nos oferecesse outros verbos, outros predicados, menos slogans. Imagine ele dizendo o que vai fazer, por que vai fazer e, principalmente, como e com que grana. Não seria preciso rimar nem abusar de sintaxes, apenas dar às palavras mais utilidade.
Iniciou-se ontem mais uma maratona de propaganda eleitoral. Os candidatos são os mesmos, a boa intenção é a mesma. O que poderia despertar nosso interesse por essas eleições? Palavras vivas.

Martha Medeiros

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